sábado, 1 de março de 2014

018. (ESPECIAL OSCAR 2014) A GRANDE BELEZA, de Paolo Sorrentino

Um filme realmente grande e belo.
Nota: 9,8


Título Original: La Grande Belleza
Direção: Paolo Sorrentino
Elenco: Tni Sevillo, Carlo Verdone, Serina Ferilli, Carlo Buccirosso, Iaia Forte, Pamela Villoresi, Galatea Ranzi, Franco Graziosi, Girgio Passotti, Massimo Popolizio, Sonia Gessner, Anna Della Rosa, Luca Marinelli, Serena Grandi, Ivan Franek, Vernon Dobtcheff, Dario Cantarelli, Pasquale Petrolo, Luciano Virgilio
Produção: Francesca Cima, Nicola Giuliano
Roteiro: Paolo Sorrentino e Umberto Contarello
Ano: 2013
Duração: 142 min.
Gênero: Drama

Jep Gambardella vive em Roma há mais de 40 anos. Quando chegou à cidade, ele mesmo confessa ter planejado viver uma vida de luxúria, bebidas, festas e tudo o que apenas aquela cidade poderia oferecer. Ainda jovem, Jep lançou um livo. Claro que ele planejava escrever mais, mas os anos foram passando, mulheres foram passando, festas foram passando, drogas e bebidas foram passando e o homem se tornou um escritor de um livro só, um grande sucesso, mas apenas um livro. Agora, Jep é jornalista em uma revista liderada for uma amiga de longa data. Apesar de ter um boa vida e ainda continuar gozando de muito tempo para aproveitar os dias (e as noites, principalmente), Jep sabe que falta alguma coisa, e completar seu aniversário de 65 anos apenas o deixa mais intrigado em descobrir o que está faltando para que ele encontre a grande beleza de sua vida.


Esse ano, o filme “Trapaça”, de David O Rusell, tornou-se um dos grandes favoritos ao Oscar 2014. Com uma história sobre corrupção e uma produção incrível, o filme faz uma homenagem aos longas que Martin Scorsese gravou nos anos 80, quando já falava sobre o mesmo tema e fazia denúncias sobre a construção suja da América. O. Russell, nesse contexto, traz cenários muito parecidos com os que Scorsese usou, traz personagens semelhantes, figurinos estonteantes e, até mesmo, uma edição que lembra cada um dos longas de Scorsese que trataram do tema. Paolo Sorrentino faz o mesmo. Mas o italiano não homenageia o mestre americano, ele escolheu um mestre de sua terra, escolheu Federico Fellini. E, além do homenageado ser outro, o país, agora, é a Itália, a década é a de 1960 e o tema é a vida, as dúvidas do homem, os anseios , as preocupações, as reflexões sobre passado, presente e futuro, e se existiu um passado, se existe um presente e se existirá um futuro. Se o que foi vivido valeu a pena, se foi tudo em vão ou se pode-se chegar a algum lugar após tantos anos vividos, após tantos caminhos percorrido. É impossível não lembrar Marcello Mastroianni em “A Doce Vida” (1960) ou em “Fellini 8 ½” (1962), as duas maiores obras de Fellini. Enquanto Marcello e Guido, personagens dos filmes de Fellini, tinham suas dúvidas quanto ao que fazer profissionalmente e viviam cercados pelas suas várias mulheres – as vivas e as mortas, as que permaneciam em carne e osso e as que viraram mera lembrança -, Jep começa a se perguntar por que não escreveu outro livro e se não deveria ter feito diferente. Jep lembra das mulheres que já teve e da vida que levou e das atitudes que teve ao lado delas.


Mas esses não são os únicos questionamentos que o filme traz. A principal diferença dos longas de Fellini para o longa de Sorrentino é a idade dos personagens. Considerando a loucura na qual Jep vive e lembrando do seu passado, provavelmente o personagem, nascido no final da década de 1940, tentou assistir aos filmes de Fellini, mesmo que fosse proibido para sua idade. Até me arrisco a dizer que a vida que Jep sonhava em ter quando se mudou para Roma, a vida boêmia que acabou conquistando, é um reflexo do que os filmes de Fellini mostravam à juventude. Não que Fellini estivesse errado em fazer aquilo, aliás, ele até fez alertas sobre como a sociedade estava se transformando, e acertou em capa palpite. Para o protagonista, compreender sua vida é muito mais importante que ligar para a vida alheia, e isso é posto à prova quando seus amigos lhe trazem fofocas e ele demonstra com o olhar a falta de vontade de saber coisas sobre os outros. Assim como nos filmes de Fellini, a vida do protagonista se mistura a festas e brincadeiras, mas vemos ali, também, que o personagem está cansado dessa “diversão” toda, quer algo mais significativo, algo mais belo para sua vida. Outra passagem muito interessante é a chegada de uma freira prestes a completar 104 anos. A mulher, que já é chamada por todos de Santa, rejeitou qualquer bem material e vive para os necessitados da África, veio à Roma apenas para se encontrar com o Santo Padre, o Papa. A influência de Jep e de sua editora são tantas que eles conseguem convencer a mulher a ir jantar com eles no apartamento de Jep. Isso tudo, sem falar das demais mulheres que aparecem na vida do homem: a primeira mulher com quem teve relações sexuais, uma mulher jovem e rica que gasta o dinheiro da forma que bem entende, a filha striper de um amigo, a editora anã para quem trabalha e outras que vivem em sua mente e/ou que passam por sua vida em um momento ou outro durante o longa. Mais uma vez seguindo a linha de Fellini, as mulheres, sem dúvida, são colocadas ao lado do protagonista como essenciais para sua vida, mais que isso: são a representação de algo que o protagonista chega a colocar à sua frente na maioria das fezes. Resumindo, Jep questiona tudo o que viveu e o que tem para viver, assim como o fazem Guido e Marcello, com uma diferença. Guido e Marcello percorreram quarenta ou cinquenta anos de vida, restando-lhes entre vinte e trinta. Jep já está com 65, com muita sorte, chegará aos setenta.


E se você acha que é apenas o enredo que se assemelha aos filmes de Fellini, você está muito enganado. A trilha sonora vem no mesmo estilo, misturando canções sacras, eruditas e músicas muito modernas. Podemos ouvir desde a voz de senhoras cantando em um coral, até a banda All Stars cantando a popular “Pan-Pan-Americano”. Os cenários também são parecidos. O filme inicia fazendo uma referência à Fonte de Trevi, monumento imortalizado pela cena em que Anita Ekberg se banha em suas águas. Para completar, mistura-se a vida agitada dos grandes centros e das festas da alta sociedade com momentos calmos em parques e igrejas. A fotografia também nos faz recordar um pouco Fellini: é de tirar o fôlego. Tudo é muito denso em “A Grande Beleza”, tudo é muito forte e marcante em seu próprio aspecto. Mais uma vez, como já vimos esse ano, o diretor Paolo Sorrentino, que também acina o roteiro da produção, consegue captar os sentimentos de seus personagens com a câmera. Sorrentido consegue mostrar cada reação de Jep diante dos acontecimentos da vida. A perplexidade do escritor ao conferir um número artístico onde uma mulher, berrando, bate a cabeça em uma pedra e depois chora e grita de dor. A nostalgia do homem que lembra a juventude, quando esteve, aos 18 anos, pela primeira vez com uma mulher. O deboche do intelectual que acredita, realmente, ser superior a algumas pessoas. A felicidade de Jep ao ver uma verdadeira e emocionante obra de arte. O interesse do homem ao se aproximar de mulheres e com seu charme conquistá-las para uma ou outra noite de “amor”. A tristeza do homem que, ao ver uma mulher de 104 anos em sua sacada observando pássaros, se dá conta de que sua vida não significa nada. Sorrentino, por fim, traz um filme forte e que tenta ser compreensível para qualquer um. A verdade é que aí está mais uma semelhança com os filmes de Fellini: não se pode assistir à “A Grande Beleza” com os olhos se distraindo com a pipoca ou o refrigerante, é preciso estar atento a tudo, pois a cada cena temos lições de vida imprescindíveis.


O italiano Tony Sevillo, vaga por uma Roma ora repleta de pessoas em casas e salões aproveitando festas que parecem intermináveis e que, se dúvida custaram fortunas, ora com suas ruas desertas, sem uma alma viva capaz de lhe fazer companhia. Esse é o Jep criado por Sevillo: um homem que ora tem seu coração, sua cabeça, sua vida rodeada de pessoas por todos os lados, com muita festa, música, bebidas e drogas, ora está sozinho, tendo que enfrentar o desconhecido e tentar refletir sobre o passado sem que ninguém o ajude. Na verdade, compreendemos que Jep está sozinho quase que o tempo todo fazendo o que Orson Welles afirmava: criando uma ilusão, através de amizades e amores, de que não está sozinho. E é Toni quem nos faz compreender isso. Com uma interpretação digna de indicação ao Oscar, revela o quanto um homem pode encontrar problemas em sua alma depois de velho. E é essa velhice que dá ao personagem propriedade para fazer refletir sobre esses assuntos. Os vários Jeps que o diretor criou (o perplexo, o nostálgico, o debochado, o feliz, o interessado) ganham vida com a interpretação perfeita do ator. Claro que os outros atores e atrizes que compõe o longa também são ótimos, mas todos estão apenas fazendo figuração para Toni Servillo. Para contemplar mais a atuação do italiano, se fosse permitido, acredito que a Academia de Artes Cinematográficas, responsável pela premiação conhecida como Oscar, deveria ter feito uma exceção esse ano e ter reconhecido mais  cinco candidatos como melhores atores, afinal, em poucos anos vimos tantas atuações masculinas tão fantásticas, a ponto de não haver nenhuma certeza quando ao vencedor da categoria. Ele seriam: Joaquim Phoenix (“Ela”), Oscar Isaac (“Inside Llewyn Davis: Balada de Um Homem Comum”), Tom Hanks (“Capitão Phillips”), Mads Mikkelsen (“A Caça”) e, claro, Toni Sevillo.



O personagem criado por Sorrentino e a história desenvolvida por ele e Umberto Contarello são duas preciosidades para a sétima arte nesse ano de grandes filmes. Toda a composição do longa indicado na categoria de melhor fime estrangeiro no Oscar, merece aplausos. E, em absoluto, podemos julgar essa obra como algo ruim apenas por que lembra Fellini. Scorsese, em “O Lobo de Wall Street”, homenageia seus próprios filmes. “Trapaça” homenageia Scorsese. “12 Anos de Escravidão” é um conjunto de dezenas de filmes sobre o sofrimento dos negros. Mas nem por isso são filmes menores ou menos originais. A escolha de Paolo Sorrentino em trazer um homem mais velho foi genial e perfeita, afinal, tudo muda quando vemos o mundo sobre os diferentes olhares das diferentes idades do ser humano. Chega a ser interessante assistir os filmes de Fellini e a esse como um complemento, passando de década em década da vida do ser humano para se tentar refletir e compreender melhor nossa própria vida. O que Sorrentino faz é algo vivo, charmoso, elegante, atraente e melancólico. E é por combinar tanta vida à melancolia que seu filme é uma obra de arte maravilhosa que nos faz refletir, acima de tudo, sobre a vida. Se o filme ganhará o prêmio no Oscar, é uma dúvida imensa, afinal, o grande favorito para a categoria nem chegou a ser indicado, mas, o fato é que, vencendo ou não, sem dúvida, esse é um dos grandes filmes da nova década.

 SINDICATO DOS DIRETORES DE ARTE
Melhor Direção de Arte em Filme de Época: Catherine Martin, por O Grande Gatsby
Melhor Direção de Arte em Filme de Fantasia: Andy Nicholson, por Gravidade
Melhor Direção de Arte em Filme Contemporâneo: K. K. Barett, por Ela

SOCIEDADE DOS FOTÓGRAFOS
Melhor Fotografia: Emmanuel Lubezki, por Gravidade
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